Após mais de um ano de lutas e perseverança na pandemia, a humanidade se encontra ansiosa e esperançosa por dias melhores. Em todo esse tempo o “mundo mudou” e algumas coisas nunca mais voltarão ao “antigo normal”. O exercício do ministério pastoral, por exemplo, sofreu inúmeras alterações e adaptações nesse período. Incontáveis lives, reuniões remotas, choros e intercessões pelo telefone, realizações de várias pregações transmitidas virtualmente e o uso contínuo da criatividade para manter o contato vital entre o pastor e seu rebanho. Alguns pastores se encontram cansados e emocionalmente desgastados pelas demandas sofridas nesse período.
Com a existência de várias vacinas e com o avanço da vacinação em massa (ainda que lento), é possível vislumbrar um futuro melhor. Certamente muito do trabalho pastoral será beneficiado com a possibilidade de maior aproximação e o retorno de atividades interativas presenciais. Outros aspectos desse trabalho talvez nunca sejam recobrados. Contudo, por mais que os pastores já tenham se esforçado, restam ainda algumas coisas a serem realizadas antes que tudo isso acabe. Nesse sentido, algumas observações da liderança da The Oklahoma Baptist Convention, realizada em dez diferentes localizações no último mês de março, apontam alguns tópicos que necessitam ser trabalhados por pastores ao final de um ano de pandemia.
Depois de ouvir inúmeros pastores naqueles encontros realizados, a liderança da Convenção compreendeu que eles necessitavam da tomada de, no mínimo, cinco atitudes antes do término da pandemia. Por acreditar que a realidade norte-americana pode ser claramente espelhada no contexto brasileiro, passo a compartilhar cada tópico com pequenas explicações.
1. Pastores necessitam lamentar
Assim como aconteceu com muitas pessoas durante a pandemia, pastores também perderam familiares e alguns amigos mais chegados que irmãos. Eles foram surpreendidos com a morte de ovelhas que não apresentavam qualquer comorbidades, não puderam estar presentes no sepultamento, foram privados de cumprir as exigências do luto e nunca mais verão alguns rostos queridos no auditório quando pregarem. Algumas das ovelhas que perderam a vida não estavam entre aqueles que “fazem turismo” e vivem a “migrar de igreja para igreja”, mas eram pessoas que haviam investido a vida e o coração na igreja local. Mas, ao mesmo tempo em que vivenciavam essas dores, os pastores precisavam se mostrar fortes a fim de serem instrumentos no fortalecimento de outros, motivar pessoas à perseverança e compartilhar as boas novas do Evangelho. Em alguns casos, a dor foi sufocada e internalizada enquanto atendia as necessidades do rebanho.
Portanto, antes que a pandemia termine, pastores necessitam cuidar do seu coração e ter um próprio tempo de lamento e choro diante do Senhor. Devemos lembrar que há um livro na Bíblia cujo título é Lamentações, o qual nos ensina também sobre a legitimidade de expressarmos nossa dor diante de Deus. Há ainda inúmeros salmos que validam essa mesma verdade. Ademais, o profeta Jeremias, geralmente chamado “profeta chorão”, não era inferior aos outros profetas e nem foi menos fiel por ser honesto em relação as suas emoções negativas. Logo, é necessário que os pastores tratem a dor internalizada de várias perdas diante do Senhor, com algum amigo ou outra pessoa em quem confiem antes do término dessa pandemia.
2. Pastores necessitam celebrar
Diferente do que é geralmente apresentado na mídia, a pandemia não foi marcada apenas por perdas, mas também por algumas vitórias e demonstrações da graça e bondade do Senhor. Há muitos assuntos que devem ser lembrados nesse processo de celebração.
Em primeiro lugar, é possível comemorar o fato de que muitas vidas foram preservadas, relacionamentos restaurados e corações quebrantados diante de Deus durante a realidade pandêmica. Essa realidade foi testemunhada em muitos rebanhos e, embora não tenha sido a norma, não deve ser esquecida e nem negligenciada. Em segundo lugar, o envolvimento e comprometimento de alguns membros durante o período da pandemia também precisa ser festejado. Muitos “frequentadores” se tonaram “participantes”, oferecendo seus dons e talentos para o serviço do Senhor. Alguns adolescentes, por exemplo, usaram seus conhecimentos tecnológicos para auxiliar em transmissões de cultos e divulgação em mídia social. Embora a frequência tenha caído por motivos óbvios, o comprometimento autêntico de muitos membros tem sido um fato que precisa ser celebrado.
Também, há o fato de que a arrecadação, em muitas igrejas, permaneceu sólida. Além de ser uma obra da graça de Deus, creio que isso foi um reflexo da teologia e amadurecimento bíblico de vários cristãos que não precisaram ser “forçados” nem “constrangidos” a contribuir, mas o fizeram com alegria, compreendendo a “graça de participarem da assistência aos santos” (2Co 8.4). Por último, há o fato de que muitas igrejas experimentaram um crescimento exponencial durante a pandemia. Além do surgimento do novo vírus ter demonstrado a fragilidade da vida, também moveu a muitos a buscarem uma intimidade maior com Deus e com sua igreja e isso precisa ser comemorado.
3. Pastores necessitam se arrepender
Embora exista muito que celebrar, há também algumas questões sobre os quais pastores deveriam se arrepender. Em um ano marcado pela nebulosidade em vários assuntos, alguns pastores também se perderam em decisões erradas e atitudes a serem corrigidas. Nesse sentido, há dois tópicos a serem considerados.
Infelizmente, durante a pandemia, muitos pastores perderam o foco ministerial e se envolveram mais com os debates políticos e midiáticos do que com o cuidado espiritual do povo de Deus. Questões como realização ou não de cultos presenciais, ministração remota dos sacramentos, cientificisimo vs negacionismo (termos tão vagos!) e assim por diante, passaram a dominar a agenda das atividades de muitos ministros. Em alguns casos, as posições tomadas eram mais pragmáticas do que bíblicas ou pastoral, mas o fato é que o “debate” (se é que se pode chamar o que aconteceu de debate!) refletiu a facilidade de alguns pastores em sacrificar a eclesiologia bíblica no altar da conveniência, comodismo e popularidade.
Outro comportamento comum e do qual muitos ainda precisam se arrepender diz respeito à ociosidade e ao refúgio à “zona de conforto”. Com as igrejas fechadas, as transmissões online e os estudos bíblicos ocorrendo remotamente, muitos pastores se viram livres para investirem o tempo em hobbies pessoais, programas familiares e outras atividades afins. Por confundirem ociosidade com prudência, alguns pastores literalmente abandonaram o rebanho (há casos de pastores que saíram das cidades onde pastoreavam para se refugiarem com a família em locais mais seguros) e se limitaram a fazer estritamente o necessário para justificar sua permanência na igreja local. O mais grave ocorreu com aqueles que passaram a empregar o tempo no “pecado secreto” da pornografia online. O fato de suas atividades exigirem a permanência diante de uma tela de computador e sempre conectados, serviu de desculpa para justificar as longas horas de ausência e a alimentação da carnalidade nessa questão. O fato é que muitos irmãos no ministério necessitam exercitar arrependimento pelos pecados comumente praticados nesse período de pandemia.
4. Pastores necessitam descansar
Talvez alguns não percebam que eles pastorearam ao longo de um dos períodos mais difíceis na história. Talvez somente a peste negra, ocorrida entre 1346 e 1353, a qual afetou a Euroásia, seja comparável aos resultados devastadores da Covid19. Enfim, esses últimos meses têm sido extremamente cansativos e desgastantes para aqueles que ministram cuidado por outras pessoas. Com o vislumbrar do fim da pandemia, é comum que esses mesmos pastores recobrem suas energias e programem várias atividades que foram suspensas. Todavia, antes de agir, é necessário que esses ministros da Palavra descansem.
No geral, cometemos muitos erros quando estamos cansados. Nossos sentidos ficam comprometidos e nosso discernimento é afetado. Isso ocorrendo, passamos a julgar erroneamente as pessoas ao nosso redor e tudo isso pode afetar a eficácia de nosso ministério pastoral. Por isso, é prudente que dediquemos tempo para descansar a fim de respondermos melhor as novidades do segundo semestre. Seria recomendável que aqueles que possuem férias vencidas, projetos de viagem ou tempo em família, cuidassem de realizá-los antes de embarcarem em novas atividades com o término da pandemia. Haverá, pela graça de Deus, inúmeras oportunidades de retiros espirituais com a igreja, programações evangelísticas, cultos celebrativos etc., mas antes que tudo isso chegue, a ordem é descansar!
5. Pastores necessitam diminuir suas expectativas quanto ao fim da pandemia
O desejo de todos é que a igreja retomes suas atividades o mais rápido possível. Pastores sonham com o dia no qual os membros da igreja estarão majoritariamente presentes nos cultos, pregando para auditórios cheios, a EBD em pleno funcionamento e assim por diante. Todavia, essas expectativas devem ser reduzidas, pois é possível que nem tudo ocorra conforme nossos sonhos.
Alguns imaginam que será necessário apenas “reabrir” as igrejas e tudo voltará ao normal, mas é bem possível que alguns casos exijam a “revitalização” ou mesmo o “reinício” da igreja local. Muitos crentes podem prolongar sua estada na zona de conforto, esperando receber o alimento espiritual no aconchego do lar, questionando a necessidade de acordar cedo, ficar tanto tempo ouvindo a exposição da Palavra e tantas outras reclamações que pessoas imaturas fazem.
Por isso, antes de alimentar uma expectativa irreal, é possível apreender com plantadores de igrejas acerca das expectativas a serem cultivadas. No geral, um plantador se regozija com constância na vida de poucos, muito mais do que o grande número ocasional nas programações especiais. Assim, ao final da pandemia, o pastor será sábio se o fizer com a mentalidade de um plantador, diminuindo suas expectativas e agradecendo ao Senhor por cada acréscimo que ele mesmo fará ao rebanho.
Esses cinco tópicos acima são apenas algumas observações da The Oklahoma Baptist Convention, acrescidas de alguns detalhes colhidos em meu trabalho de aconselhamento a alguns pastores nacionais. Certamente você pode refletir sobre esses tópicos e identificar outros em sua própria vida ou região.
Rev. Valdeci Santos
Secretario Geral de Apoio Pastoral
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